Série “Quem constrói as OEB” | entrevista George Millard

Com muito afeto e generosidade, quem encerra nossa caminhada destes últimos dois meses recheados de histórias é o Presidente e voluntário das Olimpíadas Especiais Brasil, George Millard. Formado em Engenharia Mecânica pela FEI, possui mestrado (MSc) em Administração Internacional pela London Business School, Inglaterra. Desde 2018 se aventura no empreendedorismo e é o CEO da Mozaiko Stefanini, empresa de tecnologia que explora as infinitas possibilidades possíveis com a internet das coisas. George divide conosco um pouco da sua jornada ao lado das OEB.

Pode ser uma imagem de 1 pessoa e sorrindoComo você se aproximou das OEB e como se deram os caminhos na organização?

Aconteceu há muitos anos. Eu vivia um momento de mudança profissional e conheci um headhunter e ele me contou que na época estava reconstruindo as Olimpíadas Especiais. Eu perguntei o que era e ele me disse que se tratava de um movimento bacana, de inclusão de pessoas com deficiência intelectual. Eu fiquei com aquilo na cabeça e algum tempo depois, ele sinalizou que precisava de ajuda e me chamou para integrar o board das OEB. Eu nunca tinha pensado naquilo, mas topei. Ele me disse: “é simples, a gente faz uma reunião a cada dois meses, uma hora, tranquilo. Queria que você fizesse parte do board para fortalecer”. Quando eu entrei vi que não eram apenas aquelas horinhas, mas que precisava de muita ajuda. Acabou que o então presidente das OEB, saiu e nós ficamos com um board renovado, montado, no entanto apenas de novos contratados. Nós olhamos um para a cara do outro e pensamos “Quem será o presidente?” Todos apontaram para mim. Eu falei “mas puxa, eu acabei de entrar!” Mas todos tinham acabado de chegar. Vim meio como soldado: missão dada é missão cumprida. Há 9 anos eu embarquei nessa e cada vez mais fui conhecendo a nobreza da causa, as pessoas envolvidas e principalmente o time de voluntários, e, claro os atletas. Isso me encanta. Tive épocas na minha vida que eu trabalhei mais para as OEB como voluntário do que efetivamente para meu trabalho normal, profissional. E a gente construiu uma coisa legal.

Você já tinha entrado em contato com o tema inclusão?

Não. Eu sempre pensei em mim mesmo e estive na situação de acertar a minha vida, meu emprego, e nunca tinha pensado em fazer voluntariado. Quando a oportunidade apareceu, quando um amigo pediu, eu fui pra cima mesmo sem conhecer nada. Na verdade, eu continuo sem saber nada, e estou sempre aprendendo cada vez mais. A gente tem técnicos, a Teresa, o Vinicius, que são pessoas super especializadas, com mestrados e doutorados. Eu dou um aprendiz diante deles, e colaboro com o pouco que sei. 

Pode ser uma imagem de 2 pessoas e pessoas sorrindoO que você acha que te motiva para se dedicar a essa causa, até, como você disse, às vezes dedicando seu “tempo útil” mais a isso que ao trabalho regular?

É o tempo de ganhar dinheiro (risos). Uma coisa é para sustentar a minha sobrevivência, a outra para fazer a minha parte. Deus me deu bastante, e eu preciso devolver. Só agradeço por tudo que já recebi e realmente acho que temos que devolver. Nesse caso, inclusive, é uma via de mão dupla: a gente trabalha e colabora, mas recebe muito aprendizado. O que me motiva é esse mundo completamente diferente do que eu vivia antes, na faculdade, no trabalho… É um mundo onde é mais sobre a busca por oportunidades, sobre igualdade do que propriamente bens materiais. O mundo está caminhando para isso. O último século foi marcado por muitos avanços na fronteira da desigualdade, e uma das grandes que não conseguimos ainda tocar é justamente essa da pessoa com deficiência.

 

Qual você considera que foi o momento mais desafiador?

O começo. As OEB têm mais de 20 anos no Brasil e passou por muitos altos e baixos. Aquele era um baixo bastante forte, as OEB foram descredenciadas e tiveram que passar por essa enorme reestruturação, começando de novo praticamente do zero. O grande desafio naquela época era reconstruir. Pouquíssimas pessoas que estavam lá tinham experiência, quem tinha eram os técnicos, de maneira geral, e que estavam mais ligados ao trato com os atletas, mas não em relação à gestão, busca de recursos, o que é fundamental para uma organização sem fins lucrativos se viabilizar. O sério risco naquela época era que não existissem mais as Olimpíadas Especiais no Brasil, que simplesmente desaparecesse por falta de recursos. Esse eu identifico como o legado da minha gestão, justamente equilibrar isso e buscar patrocinadores perenes. Agora temos essa sustentabilidade. O contrato que fizemos com a Lions nos permitiu uma maior tranquilidade para realmente pensar em estratégias de longo prazo para a inclusão de pessoas com DI através do esporte. Naquela época, a preocupação era sobrevivência, e acho que hoje podemos pensar em crescimento, espero que na próxima gestão a gente possa pensar em crescer para o Brasil inteiro. Nós estávamos em 2 estados, hoje já temos 9, mas ainda temos muitos lugares para chegar. 

Nessa trajetória tem algum momento, alguma lembrança, que você tenha como um marco? Mais gratificante?

São várias lembranças. 

Uma é egoísta. Eu sempre fui esportista, sempre busquei tudo quanto é tipo de esporte. Vela, Ginástica Olímpica, Handball, e em vários anos consegui boas posições e até medalhas em campeonatos bastante interessantes. Pratiquei tiro olímpico, e nessa eu consegui chegar na equipe brasileira. Meu sonho era ir para uma Olimpíada, infelizmente não deu. Mas realizei meu sonho entrando com a delegação brasileira nos Jogos Mundiais de Los Angeles em 2015, naquela festa maravilhosa. O momento de participar dos Jogos Olímpicos. Essa é a minha memória egoísta.

E qual é a não egoísta?

A minha lembrança de superação, por coincidência, foi nesses mesmos jogos, Los Angeles, onde eu estava na arquibancada, assistindo uma prova de 100 metros. A gente tinha a largada, e nas Olimpíadas Especiais não são todos os corredores de alto rendimento, então são separados por nível de habilidade. Um atleta nosso estava na prova de 100 metros rasos, competindo com vários outros atletas, e claramente em um nível inferior de habilidades em relação aos outros que estavam ali. Além de deficiência intelectual, ele tinha problemas nas pernas, usava próteses metálicas, e então não corria, mas estava lá, alinhado com todos os colegas. Tiro de largada, todos os colegas sumiram na frente. Ele estava fazendo uma certa corridinha andada, indo na velocidade dele. O treinador estava lá, dando aquela força, até que a galera, as duas mil pessoas que estavam assistindo, levantaram e começaram a bater palma. O rapaz olhou aquilo, se entusiasmou, começou a acelerar. Acelerar. Acelerar. O técnico dizia “devagar! Você vai cair!” Ele corria cada vez mais, e cada vez mais entusiasmado. Ele chegou em último lugar, mas ele quebrou todos os recordes pessoais dele, porque ele nunca correu tão depressa. 

Para mim, isso é a síntese do que é as Olimpíadas Especiais, é a superação de si mesmo. Ele não estava correndo com os outros garotos, que inclusive eram de outro nível de habilidade, ele estava correndo contra ele mesmo. Ele superou absurdamente os próprios tempos. 

O que você acredita que significa um mundo com mais inclusão?

Acho que é o objetivo de vida da civilização. A gente precisa parar de matar uns aos outros e precisa começar a nos ajudar. A raça humana não tem diferenças. Coisas antigas como a superioridade branca, o homem superior a mulher, não existem. Todas as individualidades são parte do que nos torna humanos, e são coisas que estão no foro íntimo de cada um. O que é importante é que a gente saiba respeitar o outro dentro dessas individualidades. É a máxima de que sua liberdade termina onde começa a do outro. Ninguém deve sobrepor sua maneia de ser em relação a do outro. Eu acredito que nós estamos chegando lá. Esses movimentos mais recentes, por exemplo, da população LGBTIA+ seria inconcebível viver isso na década de 1980, que eu vivi. Nós somos iguais na essência, mas diferentes nos detalhes.

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