Série “Quem constrói as OEB” | entrevista Denise Silva Neves

Nesta edição, quem divide sua história com a gente é a Diretora do programa Atletas Líderes, Denise Silva Neves. Aos 56 anos, Denise traz consigo um currículo de peso, tendo se graduado na Escola Superior de Educação Física de Jundiaí em 1989, se especializou em Educação Física Adaptada em 1995 pela Unicamp. Trabalha com natação desde a faculdade e, desde então, são 33 anos dentro da piscina. Em 1996, idealizou o PEAMA (Programa de Esportes e Atividades Motoras Adaptadas), junto a outros professores na Prefeitura de Jundiaí, utilizando o esporte como ferramenta de inclusão. Atualmente, são 16 modalidades esportivas para pessoas com deficiência física, visual, auditiva, intelectual, transtorno mental e UTEA. São 25 anos buscando democratizar o acesso ao esporte.

Pode ser uma imagem de 3 pessoas e pessoas sorrindo

Como você se aproximou das OEB?
Em 1994 as OEB entraram na minha vida. Aconteceu em Jundiaí o primeiro encontro de futebol unificado. Eu trabalhava em uma escolinha de futebol e em uma instituição para pessoas com deficiência, como a proposta do unificado era ter pessoas com e sem deficiência jogando junto, tínhamos o cenário perfeito. Nos preparamos para esse encontro, convidamos alunos de outra instituição, além da que eu trabalhava, convidamos alunos de escolas do estado e da escolinha, pois nesse encontro seriam escolhidos dois atletas para representar o Brasil na Copa do mundo dos Estados Unidos. Meu aluno da instituição, o André, e o parceiro da escolinha de futebol, o Sérgio, foram os escolhidos por esse evento organizado pela SOI. Foi transformador na vida dele, de sua família e na minha.

O que te motiva a trabalhar com a causa?
Eu era recém-formada e pouco se falava de inclusão, ou sobre ensinar pessoas com deficiência, mas além da escolinha de futebol e a instituição que eu trabalhava, eu também trabalhava numa academia de natação, e lá os alunos com algum atraso motoro, algum atraso no desenvolvimento intelectual, sempre acabavam ficando comigo, nas minhas turmas. Não eram muitos alunos, mas todos eram direcionados para o meu horário. Hoje eu concluo que eu não escolhi, eu fui escolhida. Por algum motivo, eu sempre aceitei esses alunos e eles foram ficando comigo. Eu tenho alunos que estão comigo até hoje, nadam comigo há 30 anos. Eu não estudei essa matéria na minha graduação, não tinha essa matéria, não tinham pessoas com deficiência na minha família, e não me lembro de colegas na escola com deficiência. Esses alunos da natação foram meus primeiros alunos com deficiência. Minha preocupação era ensinar esse pessoal a nadar, e foi o que eu fiz. Em 1995, eu fui buscar o conhecimento na área e querer entender o porquê para as outras pessoas isso não era natural. Foi então que eu entendi o que faltava. Faltava inclusão. Foi quando eu entendi o que eu estava buscando e o que estava me motivando a continuar fazendo.

Fale um pouco sobre o programa atletas líderes.
Já tinham se passado quase 20 anos quando achei que as minhas expectativas já tinham sido todas atingidas nas OE. Eu estava muito feliz, os atletas se renovando, os meus alunos conseguindo participar de vários eventos, já podia até me aposentar. Foi quando eu conheci, em 2003, o programa Atletas Líderes, e meu encantamento só aumentou. Descobri que, para as OE, não bastava oferecer a prática de esportes. Eles e eu queríamos mais, que fosse dado a esses atletas a voz. Para as OE, todo atleta é um atleta líder. Todo atleta pode, e deve, ter voz e ser ouvido, mesmo os que não sabem falar. Foi mais um caminho sem volta. A bandeira da inclusão estava levantada, e eu tive a oportunidade, desde o começo, de segurar um pouco essa bandeira. Cabe ao programa atletas líderes instrumentalizar, e dar oportunidade para que a voz dos atletas seja ouvida e suas ações sejam legitimadas. O movimento das OE, através dos programas de liderança, tem como objetivo transformar, primeiro a pessoa com deficiência empoderando, depois transformar a sociedade, a escola, o trabalho, amigos, família, para que todos caminhem juntos para uma realidade verdadeiramente inclusiva. Inclusão é ação.

Quais foram os momentos mais gratificantes?
Nossa, foram MUITOS. Eu tenho tanto para agradecer. Agradeço todos os dias as oportunidades que eu tive. Eu tive a oportunidade de poder levar alunos adultos, que nunca saíram de casa sem os pais, ainda mais para dormir fora, para uma competição. Ele e sua família perceberem que era possível. Foi um momento mágico para mim. Ver pais que tinham dificuldade de reconhecer as dificuldades de seus filhos, não por falta de amor, mas era muito desafiador para alguns pais entenderem que no ritmo e no tempo dele, ele era aceito, sim. Receber esse filho de volta em casa, muitas vezes com uma medalha, e sempre com um sorriso vencedor, é uma sensação indescritível. Eu tenho o rosto de pais e alunos ainda na minha memória. Isso ainda acontece. Eu sou a mesma, mas os alunos vão se renovando. Isso acontece muito, e se mistura com o que eu sinto na piscina, quando realmente o aluno para de ter medo da água e passa a se integrar naquele ambiente. É o que vejo quando o pai, a família, e o próprio aluno, percebem que ele é capaz de se virar sozinho. É uma das sensações mais gostosas de se sentir. É muito forte para mim.

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