Série “Quem constrói as OEB” | entrevista Rafael Fiuza Cislaghi

Esta semana, quem bate um papo com a gente é o Diretor do programa Escolas Unificadas, Rafael Fiuza Cislaghi. Aos 37 anos, Rafael é formado em Educação Física pela Estácio, pós-graduado pela UFRJ e atualmente faz mestrado na também na UFRJ, no Instituto de Bioquímica Médica. Você pode estar se perguntando como um professor da rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro, diretor geral de um colégio, foi parar na bioquímica. Ele é pesquisador no programa de Educação, e está estudando a inclusão do estudante com deficiência neste momento da pandemia de Covid-19, e integra o laboratório de inclusão e diversidade da UERJ. Ainda falando sobre inclusão, trabalhou por 10 anos na FUNDEC da prefeitura de Duque de Caxias, na Unidade de Inclusão e Diversidade voltada para atendimento de pessoas com deficiência. “Hoje meu maior hobby é estar com a minha filha, mas também gosto muito de viajar, conhecer outras culturas, conhecer novos lugares”, conta.

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Como você se aproximou das OEB? E como foram seus caminhos na organização?
Conheci as OEB em 2013 e imediatamente me apaixonei pela proposta do movimento. Eu já trabalhava na FUNDEC em Duque de Caxias com mais de 150 atletas com deficiência intelectual e vi no movimento uma oportunidade única para eles. Fiz uma capacitação de futebol e ajudei a organizar uma etapa de futsal em Duque de Caxias como parte do projeto de Futebol da SOMOS com apoio da CAF, com a participação dos meus atletas. Ajudei na organização dos Jogos Estaduais de 2014 do Rio de Janeiro e fui responsável pela arbitragem como voluntário dos Jogos Nacionais de Futsal Feminino que aconteceram também em 2014 em Rio das Ostras-RJ. Esse evento selecionou a equipe que representaria o Brasil nos Jogos Mundiais de Los Angeles em 2015. Depois disso recebi um convite para coordenador o Estado do RJ, fui diretor nacional do programa Atletas Jovens de 2017 a 2019. Estou trabalhando no projeto do Lions como coordenador regional do Rio de Janeiro desde o início do projeto em 2014 e desde 2019 estou como diretor nacional do programa Escolas Unificadas. Tive a oportunidade de organizar eventos no Rio de Janeiro, eventos nacionais e participei de eventos internacionais também. Cabe destacar três grandes oportunidades: a Copa América de Futebol Unificado, no Uruguai em 2016, como chefe da delegação do Brasil, Jogos Latino-Americanos no Panamá 2017 e os Jogos Mundiais de Abu Dhabi de 2019.

O que te motiva a trabalhar com a causa inclusão?
Desejar que tenhamos um mundo que respeite as diversidades e as diferenças, superando padrões sociais preestabelecidos. Que as pessoas estejam abertas às diferenças e as respeitem, não só apenas em relação às pessoas com deficiência, mas em relação a todas as minorias sociais que sofrem algum tipo de discriminação ou preconceito. As pessoas com deficiência devem estar presentes em todos os ambientes sociais e terem seus direitos respeitados. Tenho certeza que a barreira da atitude da sociedade perante as pessoas com deficiência é a que mais impacta a vida das pessoas com DI, pois vivemos numa sociedade que busca a todo tempo rotular as pessoas. Minha luta é essa, que um dia a palavra inclusão não tenha mais um significado para quando nos referimos a pessoas com deficiência. Essa inclusão será tão natural e comum que perderá seu significado atual. Sei que é uma luta difícil e árdua, mas muitas conquistas estão acontecendo, tenho que fazer a minha parte.

Pode contar um pouco sobre o Escolas Unificadas?
Escolas Unificadas é um programa de educação e esporte desenhado para construir um ambiente inclusivo entre alunos com e sem deficiência intelectual e também formando uma nova geração de líderes que acreditem e lutem pela inclusão da pessoa com deficiência. O programa tem três pilares fundamentais que o sustentam: os esportes unificados, a liderança jovem e o envolvimento de toda a comunidade escolar. Quando uma escola alcança esses três pilares deixa de ser uma Escola Unificada e passa a ser uma Escola Unificada Campeã. Nosso desejo é que todas as Escolas Unificadas no Brasil passem a ser Escolas Unificadas Campeãs. O programa é, na minha opinião, fundamental para o futuro da Special Olympics. Como defendemos a inclusão das pessoas com deficiência, cada vez mais todas essas pessoas deverão estar nas escolas e sabemos o quanto as escolas ainda não estão preparadas para receber esse público. Mas também não acredito que vai haver o momento certo para essa inclusão, então o programa foi criado para ajuda. Ele engloba desde a formação de professores e funcionários da escola até a formação de uma liderança jovem que defenda e veja a inclusão da pessoa com deficiência dentro da escola como algo fundamental.

Quais foram as situações mais desafiadoras que você já viveu em sua trajetória nas OEB?
Posso destacar a responsabilidade nas viagens com os atletas que muitas vezes nunca tiveram a oportunidade de passar um dia longe de suas mães e nessas viagens passa dias foram. Essas viagens entre outros ganhos para os atletas, a conquista de autonomia e de independência é muito importante. Impossível também não destacar a pandemia, como manter o contato e realizar as atividades planejadas com nossos estudantes e atletas. Nesse período estou com atividade das Escolas Unificadas e do Missão Inclusão e ainda está sendo muito desafiador planejar o que é possível ser feito e que atraia a atenção para participação dos nossos atletas e estudantes das EU. A pandemia foi e ainda é um desafio para todos, foi um momento de redescoberta de como trabalharmos principalmente quando envolve pessoas com deficiência intelectual. 

E quais foram os momentos mais gratificantes?
Um dos momentos mais gratificantes foi a mudança que ajudei a promover na vida do atleta John Lucas. Ele começou a treinar comigo com 15 anos e nunca esquecerei a fala da mãe dele quando estávamos tentando mostrar a ela que o filho podia ter mais autonomia: “Vocês não estão vendo que meu filho é deficiente e nunca poderá viver sem meu apoio?”. Tentando resumir a trajetória dele, conseguimos com apoio da informática alfabetizá-lo, e com isso ele conseguiu concluir o ensino fundamental. Com o esporte e com as oportunidades das OEB, ele passou a falar, era muito introspectivo, e teve a oportunidade de fazer duas viagens internacionais com as OEB. Casou-se com uma menina sem deficiência (inclusive fui padrinho), trabalha, mora sozinho, e dá aula de capoeira como voluntário, também para crianças com autismo. Hoje a mãe dele teve um AVC e precisa muito mais da ajuda dele do que o inverso. Imagine a vida dele se não tivesse tido essas oportunidades de mudar e ter autonomia! E um detalhe que não posso deixar de contar: ele me chama até hoje de pai, mesmo tendo o pai vivo. O John é um exemplo claro de que quando acreditamos e damos oportunidades às pessoas com deficiência intelectual, elas podem ir muitas vezes mais longe do que imaginamos.  

As OEB te trouxeram aprendizados? Qual foi o maior deles?
Muitas aprendizagens. A maior aprendizagem foi que as pessoas com deficiência intelectual querem e precisam de oportunidades e de pessoas que acreditem em seu potencial. Que deixem de vê-las por suas limitações e passem a valorizar suas potencialidades, pois todo ser humano tendo ou não deficiência terá sempre potencialidades e limitações, até porque se todos nós fossemos iguais o mundo seria muito sem graça. Além disso, todos nós precisamos de oportunidades e de pessoas que acreditem em nós e isso não seria diferente para as pessoas com deficiência intelectual. 

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