Francisco José Osterne – Especialista em Audiologia – CFFa, Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana – UNIFESP, Fonoaudiólogo do Serviço de Implante Coclear – Saúde Auditiva – HUCFF/UFRJ, Diretor Clínico do Programa Audição Saudável – Atletas Saudáveis das Olimpíadas Especiais Brasil
A COVID-19 é uma doença respiratória causada pelo vírus SARS-COV-2 e caracteriza-se principalmente pelo aparecimento de sintomas como febre, tosse seca e dificuldade respiratória. A doença pode ser transmitida por gotículas expelidas pelo doente, com sintomas ou assintomáticos, na tosse ou no espirro, o que pode contaminar outras pessoas direta ou indiretamente, por objetos, que ao serem tocados e em seguida levando-se as mãos aos olhos, boca e nariz, podem também contaminar.
Dentro do conjunto de medidas preventivas à COVID-19, o uso de máscaras de proteção facial é recomendado como uma medida importante, pois ela funciona como uma barreira física, tornando assim o seu uso essencial nos dias de hoje. Com a ampliação da pandemia, esta recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, passou a ser tratada como política pública de prefeituras e governos estaduais, com regras recomendando ou até mesmo obrigando a adoção deste recurso de prevenção contra a doença.
Esta proteção, além de agir como uma barreira para o vírus, pode também ser uma barreira para a comunicação, pois a máscara além de atenuar e distorcer a intensidade da voz dificulta a obtenção das pistas visuais na leitura orofacial.
Um artigo publicado recentemente na revista Hearing Review (2020) mostra que as máscaras atuam como um filtro acústico, atenuando principalmente as altas frequências (2000-7000 Hz). Porém cada tipo de máscara age de forma diferente em relação a esta atenuação. Nas máscaras cirúrgicas simples, observamos uma atenuação de 3 a 4 dB, podendo chegar a 12 dB com a máscara N95. Outro estudo, publicado em agosto de 2020, na revista Audiology Today, refere variações de 5 a 28.7 dB, principalmente quando se associa o uso da máscara transparente conhecida com Face Shield (tabela 1).
Além desta atenuação, a máscara dificulta o aproveitamento das pistas visuais. A leitura labial nos permite entender melhor a fala, enquanto as expressões faciais ajudam a encontrar a emoção por trás das palavras. Estas pistas visuais podem e normalmente são utilizadas por todos nós. Porém para indivíduos com perda auditiva ou alterações cognitivas, que já apresentam dificuldades para compreensão da fala, a combinação da diminuição do estimulo sonoro associado à perda das pistas visuais, pode ser um grande pesadelo, pois a degradação da qualidade da fala, combinada com o ruído/reverberação de ambientes fechados e a ausência de pistas visuais, torna a fala quase ininteligível para muitas pessoas.
Não podemos esquecer que com a atenuação vocal e perda destas pistas visuais, a nossa reação imediata é de falar cada vez mais forte para se fazer escutar. Isto pode gerar, a médio prazo, alterações vocais. Este esforço de projetar a voz para dar conta desta demanda pode gerar um desgaste maior, podendo levar a irritações, ou até mesmo evoluir para calos vocais. Isto significa dano para professores, técnicos esportivos ou outros profissionais que fazem uso rotineiro da voz e que precisam usar máscara o dia inteiro. Será necessário falar mais pausado, com uma articulação mais precisa, uma intensidade de voz mais forte e ficar atentos à respiração. Além de beber bastante água, pois a hidratação é fundamental. Estes ajustes e compensações são necessários para que a mensagem seja melhor compreendida e causem menos problemas ao falante.
Na nossa prática profissional, um dos fatores que mais impacta na adesão do tratamento e segurança do paciente é a comunicação eficaz, pois permite que o cliente ou aluno participe efetivamente dos seus cuidados. Para que a comunicação seja eficaz, ela deve ocorrer de maneira apropriada à idade, ao entendimento e às habilidades de comunicação. Além disso, as informações, quando fornecidas, devem ser completas, precisas, oportunas, inequívocas e bem compreendidas pelo indivíduo. Está bem estabelecido que, quando estes conseguem ouvir e entender o profissional, é muito mais provável que sigam as recomendações corretamente e suas necessidades sejam atendidas de maneira ideal.
Além disto, se você tiver alguma dúvida, procure um fonoaudiólogo. Ele é o profissional com competência para atuar na avaliação e reabilitação de alterações da audição e comunicação humana.
Neste momento tão difícil para todos, o distanciamento é uma recomendação para evitar o contágio do vírus, mas isto não significa solidão. O distanciamento social é imposto, mas a solidão não pode ser resultado deste momento. Devemos estar conscientes destas limitações e tentar nos colocar no lugar do outro e pensar como podemos ajudá-los. Nunca devemos esquecer-nos de perguntar, como a pessoa prefere se comunicar e se você pode ajudar de alguma forma. Isto pode ser de grande ajuda para o outro. Acreditamos firmemente nas palavras de Helen Keller, que diz “sozinhos podemos fazer tão pouco; mas juntos podemos fazer muito.”
MODELO DA MÁSCARA | APENAS MÁSCARA | MÁSCARA JUNTO COM O FACE SHIELD |
Máscara cirúrgica | 5.0 dB | 20.0 dB |
Máscara N95 | 10.9 dB | 28.7 dB |
Máscara com visor transparente | 12.0 dB | 24.9 dB |
TABELA 1 – Tabela comparativa da redução em dB com diferentes tipos de máscara, bem como cada tipo de máscara em conjunto com uma proteção facial (Face Shield)
Referências:
1) Atcherson, SR; Finley, ET; McDowell BR; Celeste WA . More Speech Degradations and Considerations in the Search for Transparent Face Coverings During the COVID-19 Pandemic: Audiology Today, July/August 2020
2) Goldin A, Weinstein BE, Shiman N. How do medical masks degrade speech perception? Hearing Review. 2020;27(5):8-9
3) World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) pandemic: 2020